Um ônibus quebrado mudou minha vida numa viagem a Caraíva

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Manifesto dia estávamos numa viagem a Caraíva, um pequeno povoado de praia que fica na região de Porto Seguro, perto de Trancoso, na Bahia. Lá não entra sege. O jeito mais fácil de chegar à segmento turística é pegando um barquinho na vila vizinha.

Era nosso último dia por lá. Acordamos cedo para pegar o ônibus que saía às 7h da manhã rumo a Arraial d’Ajuda. Arrumamos as malas, pegamos o barquinho e entramos no ônibus.

Barquinhos que dão acesso a Caraíva, na BahiaBarquinhos que dão acesso a Caraíva, na Bahia
Foto: Esse Mundo É Nosso

Essa é uma das formas de chegar a Caraíva pra quem não está de sege ou não quer remunerar transfer de escritório. Mas o veículo estava caindo aos pedaços. Muito velho mesmo.

A face dele já dizia que aquilo não daria muito notório. Por sorte, o motorista nem chegou a vincular o motor. Ele já pifou ali mesmo no ponto.

O ônibus numa viagem a Caraíva

Por conta do ocorrido, descemos com as malas e ficamos esperando uma posição do motorista. “Quebrou mesmo! Deve vir alguém de Porto Seguro pra arrumar”. Ou seja, mais de 2h pelo menos até o mecânico chegar, sem narrar o tempo para arrumar.

Logo resolvemos junto com outros passageiros ir andando sob uma garoa alguns poucos quilômetros na estrada de terreno até o próximo ponto para tentar deslindar um táxi ou uma van e dividir com outras pessoas. Uma das passageiras estava desesperada porque o voo de volta dela era dali a algumas horas.

Chegamos à vila vizinha e paramos numa pequena lanchonete. Lá fora estavam algumas pessoas que esperavam o nosso ônibus passar para seguir viagem até Trancoso ou Arraial. Ficamos um tempo por ali, achamos um taxista.

A rapariga que tinha o voo se juntou com mais três e conseguiu um táxi. Nós dois e nossas malas sobramos na pequena lanchonete que nem pão vendia.

Esperamos mais um pouco. Um taxista, que já tinha marcado com outros clientes uma viagem para pouco depois, tentava invocar outros motoristas. De repente passou um táxi com um parelha de senhores. Perguntamos se poderíamos ir com eles dividindo o valor da viagem.

A história que mudou nossas vidas

Nunca imaginava que um ônibus quebrado nessa viagem a Caraíva me daria mais de 1h de uma conversa tão boa quanto a que tivemos neste trajeto.

Na frente do sege, o motorista e o passageiro, um senhor de mais de 70 anos. Detrás estávamos nós dois e a mulher. Ela, com seus 60 e poucos anos, arrumada, com perfume e roupa formosa. Os dois, que moravam em Caraíva, estavam indo para Porto Seguro.

No prelúdios, pareciam estar um pouco incomodados com a nossa presença. Pedi desculpas por atrasar a viagem deles. Ela sorriu e logo começamos a conversar.

Falamos do ônibus quebrado e ela relembrou algumas das vezes que já tinha pretérito por isso: “Colocam os piores ônibus pra cá”.

Uma vez, ela estava indo pra sarau de uma amiga em Trancoso e ia passar a noite por lá. Mas não conseguiu chegar. O ônibus quebrou na estrada e ela pegou carona para voltar para a sua moradia.

Nativa de Caraíva e com muito orgulho disso, ela saiu da cidade e voltou há alguns anos. Viu a transformação passar pela porta de sua moradia. Até murado de quinze anos detrás não havia virilidade elétrica. Demorou, mas deu notório.

Casas coloridas em rua de areia de CaraívaCasas coloridas em rua de areia de Caraíva
Foto: Esse Mundo É Nosso

Hoje, porquê você deve saber, esse é um rumo super badalado e dispendioso. Muito procurado até mesmo por celebridades. Não é à toa que as pousadas em Caraíva estão cada vez mais chiques. E realmente é uma vila deliciosa.

Os nativos de Caraíva

Seguimos viagem e ela contou da estação em que os “brancos invadiram” Caraíva. Sim! Ela usou esta sentença que me fez lembrar a estação dos indígenas.

Um dia, lá na dez de 70, os hippies descobriram o pequeno povoado baiano. Os moradores pouco conheciam sobre o que havia fora dali. Uma estação sem virilidade elétrica e sem telefone. A veras era a sua bolha.

Aos poucos, eles foram transformando a rotina do lugar e mudaram pra sempre o dia a dia de Caraíva. Até que, segundo ela, os estrangeiros foram chegando e eles e muitos brasileiros começaram a comprar as casas dos moradores por preços baixíssimos.

Os nativos não tinham muita noção de economia e nem do valor que deveriam dar aos seus imóveis e foram desfazendo deles por mixarias.

Com isso, Caraíva começou a se transformar em um rumo cada vez mais turístico com restaurantes, lojas e pousadas bonitinhas.

Tudo no mesmo lugar onde os nativos um dia haviam morado. Logo locais que eram suas casas e que agora estavam enchendo o bolso de quem era de fora.

Ela contou que são vários os nativos de idade avançada que um dia venderam suas casas e que agora gostariam de passar os últimos anos da vida na cidade, mas que agora é impossível comprar um imóvel ou “recomprar” aquilo que um dia pertenceu a eles. Os preços estão exorbitantes.

Árvores encobrem igrejinha em praça de CaraívaÁrvores encobrem igrejinha em praça de Caraíva
Foto: Esse Mundo É Nosso

Nossa companheira de estrada contou que a moradia do pai dela é muito grande, mas que ela não quer vender de jeito nenhum. Vale muito numerário, mas prefere manter ainda as suas raízes por ali.

Uma veras totalmente dissemelhante

Formada em Enfermagem, o curso à intervalo foi sua salvação. Não seria fácil ir e voltar todo dia naquela estrada que com a chuva ganha diversos buracos. Tinha que ir algumas vezes por mês presencialmente.

No dia do nosso encontro, ela trabalhava na Unidade de Saúde de Caraíva, que não possui hospital. A médica passa por lá alguns dias na semana para resolver problemas graves, mas fica poucas horas na cidade. Quem toma conta mesmo dos casos mais corriqueiros são as enfermeiras.

A virilidade elétrica já chegou, a internet também funciona muito em Caraíva, mas o sinal de celular depende muito da operadora. Mesmo assim, quase todos lugares já aceita cartão.

Apesar de toda a transformação, um trajo me chamou a atenção: o Correio não chega em Caraíva. Para receber suas correspondências ou enviar qualquer coisa, é preciso ir até Porto Seguro.

Mais que uma viagem a Caraíva, uma prelecção

Depois de muita conversa, chegamos em Arraial d’Ajuda. Saímos do sege com aquela sensação de que nunca mais nos veríamos novamente. Aliás, provavelmente, esta sensação esteja correta.

Qual seria a chance de termos divulgado estas pessoas e ter ouvido tantas histórias se não tivéssemos viajando? E se o ônibus não tivesse quebrado e nós não tivéssemos ficado na cercadura da estrada à espera de alguém para dividir um táxi?

Tem porquê voltar para moradia da mesma forma que fomos depois de saber uma veras tão distante da nossa? Uma coisa era a minha percepção do lugar até antes de saber essas pessoas.

Tinha descoberta o povoado lindo, incrível, uma delícia, hotel ótimo, lugar para relaxar, porquê na incrível Praia do Satu, e com boas opções de restaurantes. Mas logo iríamos embora pra nossa vidinha e tudo ficaria igual. Aí a gente conhece essas pessoas, essas histórias e voltamos transformados.

Posso ter chegado em moradia e continuado a minha vida porquê sempre, mas de alguma forma aquela história mexeu comigo, me transformou. E viajar é isso. É transpor da nossa zona de conforto e estar franco a saber pessoas que provavelmente nunca conheceríamos na nossa vida.

Por isso, não podemos nos fechar em nossa bolha. Não podemos passar todos os finais de semana comendo nos mesmos restaurantes, indo aos mesmos bares, frequentando os mesmos supermercados.

Podemos viajar na nossa própria cidade. Podemos mudar o caminho e olhar para o lado. Ouvir histórias e nos transformar.

Podemos nunca mais nos encontrar. Podemos nos reencontrar e nem nos reconhecermos, mas aquela conversa de mais de 1h estará pra sempre comigo de alguma forma.

Aliás, aquela única hora que me fez evoluir muito mais do que tantas outras horas por cá.

Adolfo Nomelini

Jornalista formado pela PUC-SP e pós graduado em Informação em Mídias Digitais, é enamorado por música, coxinha, televisão, seus óculos e internet. Trabalha há mais de 15 anos com teor online e passa boa segmento do tempo “jogando o corpo no mundo, andando por todos os cantos e, pela lei oriundo dos encontros, deixando e recebendo um tanto”.

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